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domingo, 9 de fevereiro de 2014

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Guardou a vida no bolso do velho sobretudo usado pelo tempo. Lá fora está frio, o vento assobia e a chuva insiste em martelar os vidros das janelas. Mas nada disso importa, há frio e rios de chuva dentro dela. Chega de tropeçar, basta de mãos e joelhos esfolados e de nódoas negras invisíveis. A vida é dela e tem direito a não a viver. A partir de hoje vai resguardar-se nos livros, nos filmes, nas viagens que há-de fazer, no trabalho que há-de surgir. Mas sempre sem viver. Dar-se não se dando. Confiar desconfiando. E ir embora. Para longe, onde não a conheçam. Sim, perdoem-na, mas ela por vezes ainda alimenta a ilusão de que talvez possa (re)começar noutro sítio e tudo possa ser diferente. Ela ainda não percebeu que ela é que precisa de ser diferente.